Essa semana eu estava arrumando uma papelada louca aqui em casa quando achei um papelzinho com o telefone do Salvatore. Gente, se tem uma pessoa que ganhou o nome certo nessa vida foi ele, um taxista que conhecemos no dia em que chegamos a Nápoles e nos salvou de uma roubada.
A nossa chegada foi tensa. Nós até já estávamos bem prevenidos sobre a malandragem típica da cidade (alguém me explica por que todo mundo ama falar mal dos napolitanos?). Então não foi muita surpresa quando, saindo do aeroporto, fomos abordados por um moço super simpático oferecendo um táxi em tudo que era língua.
Ficou aquele momento constrangedor do tipo: “quanto custa?” (a gente sabia que deveria sair por € 20 até nosso apartamento alugado), “cadê?”, “acho melhor não”… Sabe quando tudo diz para você não fazer uma coisa? Foi mais ou menos o que sentimos com a abordagem. Como sempre, teve um momento em que eu e o Diego nos olhamos com cara de sinal amarelo, mas decidimos dar um voto de confiança para o cara. Afinal, de repente ele era só um taxista meio desesperado para ganhar a vida e a gente estava ali julgando mal por causa do estereótipo. Que bobagem, né?
via / Foto destaque CC Ian Schneider
Fomos com ele.
Porque, no fim das contas, viajar é aprender a confiar, mesmo quando a gente desconfia.
Então o “taxista” pegou nossas malas e chamou o carro. E o sinal vermelho acendeu quando o “táxi” chegou sem nenhuma identificação e ele já foi jogando nossas malas dentro do porta-malas enquanto a gente se olhava com cara de pânico. Como já estávamos ali (e nossas malas já tinham entrado irreversivelmente no carro), resolvemos entrar. Foi só quando pressionamos mais para saber o preço da corrida que o golpe se desenhou por completo: eles queriam nos cobrar € 70 euros pelo trajeto – o que era simplesmente bizarro (além do que não tínhamos todo esse dinheiro em mãos).
Buenas, depois de muita discussão em um dialeto que misturava português-espanhol-italiano-inglês, fizemos eles nos deixarem em qualquer lugar, pagamos uns € 20 e fomos atrás de um táxi de verdade.
¯\_(ツ)_/¯
Foi aí que conhecemos o Salvatore. Paramos ele na rua explicando que só tínhamos € 15 (o que era verdade) e mostramos nosso endereço. Ele nos mandou subir no táxi e disse que não tinha problema. No caminho, que era curto, mas demorou porque Nápoles respira trânsito, contamos o que tinha acontecido e ele fez o possível para nos deixar tranquilos. Acho que o Salvatore repetiu umas 15 vezes que era para esquecermos o que passou e não deixar nossa impressão ficar manchada pela atitude de uns “delinquentes” (o termo foi ele mesmo quem usou). Nos apaixonamos ♥ e saímos do táxi com dicas de onde comer, o que visitar e o telefone dele para caso quiséssemos que ele nos levasse ao aeroporto na volta.
Parece bobo que, mesmo viajando tanto e com tanta frequência, a gente ainda se deixe enganar de uma forma dessas. Mas a verdade é que viajar é isso mesmo. Se a gente não arriscar um pouquinho de vez em quando, se não der um voto de confiança, mesmo quando tudo parece que vai dar errado, é melhor nem viajar.
Essa experiência foi apenas um dos perrengues que passamos em nossas idas e vindas pelo mundo. Na França, por exemplo, aceitamos ajuda de um desconhecido para comprar bilhetes de metrô e ele acabou trocando nossos tíquetes por passagens válidas apenas para crianças. Na Argentina, eu me mudei para uma casa sem contrato de aluguel e acabei sendo chantageada a pagar o dobro do combinado. E assim por diante… Todas essas experiências nós poderíamos ter previsto e evitado, mas decidimos, por opção, nos jogar de cabeça nelas para ver no que dava. Mesmo sabendo que a chance de dar errado era bem grande. Mesmo com aquela vozinha que dizia para não fazer martelando na cabeça.
Em compensação, já tivemos experiências incríveis que só foram possíveis porque optamos por confiar nos outros, como na vez em que um casal Moldavo que conhecemos na rua em Barcelona nos convidou para passar a virada do ano com eles, nos deu uma garrafa de espumante e nos levou para uma festa com um grupo de amigos deles. A gente não precisa nem dizer que aquilo tinha a maior cara de golpe. Eu cheguei a achar que estava sendo sequestrada quando me indicaram para ir no banheiro de um restaurante que estava fechado e, na chegada, fiquei trancada só eu e três homens desconhecidos lá dentro. Mas sabe o que aconteceu no final? O ano novo mais divertido da vida!
Se a gente pensar bem, a maioria das nossas experiências que acenderam aquele sinalzinho amarelo nos surpreenderam com algumas das nossas melhores histórias de viagem. Foi o que aconteceu quando pegamos carona num barco de desconhecidos em Amsterdã, quando trocamos nosso dinheiro em uma banca de revistas em Buenos Aires ou quando outra desconhecida me levou até um hospital na Romênia onde ~provavelmente~ alguém falaria inglês. Pode ter sido o taxista que encontrou e devolveu meu celular na Cidade do México ou aquele cara que tínhamos conhecido há pouco e nos ajudou a desatolar o carro nas areias do Uruguai.
No fim das contas, mesmo quando as coisas deram errado, sempre havia um Salvatore para nos tirar do perrengue e ensinar que o mundo é bem melhor do que a gente acredita. Porque se não fosse para confiar nos outros, era melhor mesmo nem ter saído de casa. 😉
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